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Especialista revela como o Brasil controlou H1N1 e Vaca Louca

Cláudio Barros é referência em Patologia Veterinária e dará palestra em Areia
publicado: 02/07/2019 19h05, última modificação: 04/07/2019 19h18
Pesquisador completa 50 anos de carreira. Crédito: Antonio Paz (JC)/Reprodução

Pesquisador completa 50 anos de carreira. Crédito: Antonio Paz (JC)/Reprodução

Os estudos acerca da enfermidade veterinária possuem papel importante no diagnóstico e controle de doenças que atingem animais e seres humanos.  A patologia veterinária é o campo de pesquisa que propõe soluções para o controle de doenças como a da Vaca Louca e H1N1.

Nas últimas cinco décadas, pesquisadores da área controlaram a febre aftosa através da vacinação e também desenvolveram métodos que beneficiaram pequenos produtores.

A fim de discutir patologias veterinárias, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) sediará o I Encontro Nordestino de Atualização em Anatomia Patológica Veterinária (I ENEAP) de 19 a 21 de julho, no campus II, em Areia.

No evento, o professor Claudio Barros, considerado referência nacional e internacional na área, dará uma palestra sobre os desafios do campo de estudo no Brasil e as dificuldades que observou durante sua carreira.

Em entrevista à Assessoria de Comunicação (Ascom) da instituição, o pesquisador adianta os principais pontos que debaterá em sua apresentação e faz um balanço da Patologia Veterinária no país. Confira:

Ascom – O que define o campo de estudo da patologia veterinária?

Claudio Barros - A Patologia estuda as alterações das estruturas orgânicas, das reações químicas e da função das células e tecidos. Permite entender o entrelaçamento das ciências básicas com a clínica médica. É a base para o diagnóstico das doenças.

Na doença, não ocorre formação de novos mecanismos, mas, sim, de alterações de mecanismos preexistentes. Assim, se entendermos qual a função de um órgão, entenderemos que alterações esperar caso esse órgão falhe e quais manifestações clínicas isso vai causar no animal.

Dominar esses conceitos simples é um processo longo, que requer bastante estudo, mas é compensador.

Ascom- Quais os principais desafios da Patologia Veterinária no Brasil?

Claudio Barros- A formação de recursos humanos e apoio a projetos de pesquisa devem ser mantidos. Muitos locais no Brasil oferecem pós-graduação em patologia veterinária e estão capacitados a formar novos e bons patologistas, mas deve haver apoio de verbas governamentais.

É necessário também que agências financiadoras governamentais mantenham o apoio a projetos de pesquisa que desenvolvam testes e diagnósticos para reconhecer as doenças; que investiguem o mecanismo pelo qual certas doenças são produzidas, o que possibilitaria desenvolver medidas de controle e tratamento; e que determinem a epidemiologia das doenças. Isso manterá os laboratórios devidamente equipados e indicará assuntos pertinentes a serem investigados durante a confecção de dissertações e de teses.

Ascom - Apesar dos percalços que a patologia veterinária sofreu no país, quais as contribuições fundamentais, sobretudo para pequenos produtores?

Claudio Barros - Extensos estudos foram feitos para o conhecimento das plantas tóxicas no Brasil e sua distribuição nas diferentes regiões do país.

Com base nessa aquisição de conhecimento, foram desenvolvidos métodos para o controle dessas intoxicações, principalmente no Nordeste, o que teve um grande impacto principalmente em pequenos produtores. Nas últimas cinco décadas, foi também essencial o desenvolvimento do programa de controle da febre aftosa através da vacinação.

Ascom - Não faz muito tempo que doenças como a vaca louca, H1N1, raiva, toxoplasmose, entre outras, ameaçaram a economia brasileira. Qual o papel dos cientistas brasileiros no enfrentamento a elas?

Claudio Barros - Trata-se de doenças bastante diferentes, mas todas afetam tanto pessoas quanto animais. No caso da encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca), a principal medida, que foi crítica em defender os interesses econômicos da pecuária brasileira e proteger a saúde pública, foi o estabelecimento de um eficiente e serviço de vigilância. Através dele, veterinários bem treinados diagnosticaram três casos da forma atípica que foram retirados da cadeia produtiva de carnes.

Casos de toxoplasmose são considerados uma ameaça à saúde pública, mas raramente uma doença economicamente importante em animais. O desenvolvimento de testes-diagnóstico e o entendimento da patogenia foram importantes para o controle dessa doença. Testes virológicos, moleculares, genéticos e exames de necropsia foram importantes no reconhecimento de casos de H1N1 e estabelecimento de medidas protetivas para rebanhos suscetíveis. ­­­­

Ascom – Qual a avaliação de seus 50 anos neste campo de pesquisa?

Claudio Barros - Quando iniciei, em 1969, as dificuldades eram muitas. Pouco se sabia sobre quais doenças de animais ocorriam no Brasil e com qual frequência. Isso complicava muito o diagnóstico.

Em geral, com exceções, é claro, as pessoas incumbidas de realizar o diagnóstico o faziam em moldes do que viam em más traduções de livros franceses, alemães, húngaros e alguns americanos. O acesso ao conhecimento era complicado e demorado.

A minha geração e as seguintes tiveram o mérito de ir fornecendo informações sobre a ocorrência e distribuição das doenças em animais no Brasil, através da união do trabalho de campo com o trabalho no laboratório, instituindo o modo de funcionamento atual de nossos melhores laboratórios de diagnóstico veterinário.

Algumas causas de doenças que aqui ocorrem também foram esclarecidas. Além disso, esses dados começaram a ser divulgados para a nossa comunidade científica, indicando quais eram nossos reais problemas.

Não tínhamos mais então de nos basearmos em dados dissociados de nossa realidade. Essa é uma tendência que permanece e resultados dos estudos de diagnóstico em patologia veterinária feitos no Brasil já são citados em livros e textos internacionais.

Outro aspecto importante da minha atuação nesses anos todos foi contribuir para a formação de recursos humanos, isto é, para a formação de novos patologistas. Muitos deles, hoje profissionais destacados, foram meus orientados, como é o caso de um dos organizadores do evento, o professor  Ricardo Lucena, e duas palestrantes, Raquel Rech e Paula Giaretta. Só isso já teria sido uma vida profissional que valeu a pena.

Também sempre menciono, e quero repetir aqui, o papel positivo e determinante que tiveram agências financiadoras governamentais, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para a formação dos profissionais brasileiros na nossa área, através da concessão de bolsas no exterior e financiamento de projetos no Brasil. Isso foi fundamental para chegarmos até aqui.

Michelly Santos | Ascom/UFPB